“A PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS”

Histórias da Astronomia



“A PLURALIDADE DOS MUNDOS HABITADOS”





Nelson Travnik*



O tema é atual e contagia mentes voltadas à vida extraterrestre. O número de planetas orbitando outras estrelas não pára de crescer. Somente em quatro meses o telescópio espacial Kepler da NASA descobriu 1235 possíveis novos planetas dos quais 68 do tamanho da Terra que estão na zona habitável. Já é aceito que nos próximos 25 anos estaremos recebendo sinais de alguma civilização extraterrestre. O assunto contudo no século 19, era dos mais polêmicos e mesmo para a comunidade científica escrever sobre ele era um ato de coragem.



MÁRTIR DA CIÊNCIA



O primeiro a defender um universo infinito, sem limites, com sóis ao redor do qual giravam planetas que deveriam ser habitados por seres que acreditavam serem também o centro do universo, foi o filosofo italiano Giordano Bruno (1550-1600). Em 1591, escreveu entre outros, o livro “ De immenso “ no qual defendia o sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-1543). Como sabemos,essas idéias não agradou a Igreja e a Inquisição por falta de retratação acabou condenando-o à fogueira que aconteceu em Roma, na praça de Fiori, no dia 9 de fevereiro de 1600.



HÁ 150 ANOS



O tema voltaria a ser alvo de acirradas discussões. Em 1861, com apenas 19 anos, o astrônomo francês Camille Flammarion (1842-1925) durante sua estada no Observatório de Paris empreendeu a difícil tarefa de abordar a questão da vida em outros planetas. Seu livro “A Pluralidade dos Mundos Habitados” foi publicado no ano seguinte pela editora Mallet-Bechelier. É fácil imaginar o impacto que o livro provocou na maioria das pessoas embevecidas com a idéia da Terra ser um planeta especial, centro da criação, único a abrigar vida. Contudo entre celebridades como Victor Hugo (1802-1885) o livro foi bem recebido. Em 1864 a primeira edição esgotou. Uma após uma as edições não paravam. Meu exemplar, de 1921, já era a 30ª edição !



A REAÇÃO



“Vós não sóis um astrônomo, sóis um poeta!” Com essas palavras em 1862, Urban Le Verrier (1811-1877), o imortal descobridor do planeta Netuno, então diretor do Observatório de Paris, demitiu o jovem Camille Flammarion pelo grave erro de haver escrito o livro sobre um tema inaceitável para ele. Le Verrier achava que tal era uma idéia medíocre e uma pura fantasia. Flammarion havia sido aceito em junho de 1858 como aluno astrônomo lotado no Deptº de Longitudes, encarregado dos cálculos das posições da Lua para o conhecimento do tempo. Contudo o sucesso do livro em todo o mundo fez com que Le Verrier, reconhecendo erro, convidasse Flammarion a reingressar no Observatório para se ocupar de observações micrométricas de estrelas duplas o que ele fez impecavelmente. Seu ‘C atálogo de Estrelas Duplas e Múltiplas’ publicado em 1878 foi durante muitos anos, o melhor do mundo.



EXOPLANETAS



Se estivesse vivo, o que diria Le Verrier e muitos outros nessa onda de descobertas de planetas orbitando outras estrelas? O que outrora parecia um privilégio do Sol, hoje já é aceito que a maioria das estrelas possuem planetas ao seu redor. Num futuro não muito distante, nossos radiotelescópios estarão recebendo os primeiros sinais de uma civilização extraterrestre. É uma enorme presunção pensar ainda que somos a única civilização existente na imensidão cósmica. A ficção de hoje, será a realidade do amanhã. A astronomia está reverenciando Giordano Bruno e Camille Flammarion, dois nomes, duas mentes que avançaram no tempo enfrentando altivamente dogmas, incredulidade e preconceitos. Estamos no limiar de constatações que irão mudar a estrutura filosófica milenar e co ntemporânea criada pelo homem. Quem viver verá!



*O autor é astrônomo responsável pelos observatórios astronômicos de Americana e Piracicaba, SP e Membro Titular da Sociedade Astronômica da França.

Nenhum comentário:

Postar um comentário